terça-feira, 22 de dezembro de 2009

o 3D em debate (parte um?)

Coluna interessantíssima dessa semana para a Revista Época do Luís Antônio Giron. FIKDIK.
Vou ressaltar algumas coisas em negrito para eu comentar futuramente, principalmente após assistir Avatar, em 3D, claro.

Só o 3-D salva!?
Por que a tecnologia não vai resgatar o cinema
LUÍS ANTÔNIO GIRON

Luís Antônio Giron
Editor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV

Experimentamos hoje uma onda de nova ingenuidade. É como se a história das invenções e das artes fosse deletada da memória coletiva. E já que a humanidade sofre de amnésia de tempos em tempos (talvez devido à pressa e à troca de gerações sem que a nova consiga aprender com a anterior), agora todo mundo precisa acreditar em magia... tecnológica.

Tenho ouvido gente importante afirmar que o 3-D – a filmagem em três dimensões – chegou para “salvar” o cinema da voragem de downloads piratas e da compra de DVDs ilegais que tomou conta dos consumidores nos últimos dois anos. Segundo muitos especialistas, o derradeiro recurso para atrair o público aos cinemas é acenar com a ilusão tridimensional, mais ou menos como no final do século XVIII os ilusionistas criaram a fantasmagoria, um espetáculo apresentado em circos e parques de diversões que espantava a plateia com truques de luz e sombra. Até hoje tem parque de diversões de periferia com uma fantasmagoria célebre: Monga, a mulher macaca.

A Monga atual é a simulação do volume em uma tela plana. E a suprema realização da mágica leva o título de Avatar, o longa-metragem de James Cameron que estreou na última sexta-feira (18) e já se tornou um dos blockbusters da temporada. O diretor levou uma década desenvolvendo uma tecnologia de filmagem que fundiu três métodos: o CGI (geração de imagem digital por computador), 3-D (ilusionismo tridimensional) e action capture (a câmera que converte os gestos dos atores para o ambiente digital em tempo real). Só assim, segundo Cameron me disse, ele conseguiu realizar seu sonho infantil: retratar um mundo alienígena primitivo que transmitisse a sensação de total estranhamento à audiência. Gastou algo em torno de meio bilhão de dólares na produção do espetáculo, fazendo de Avatar o filme mais caro da história. Não apenas isso: durante as filmagens, Cameron desbravou as possibilidades dramáticas de planos-sequências e movimentos de câmera no ambiente 3-D. E assim ele reinventou o cinema – e a ingenuidade no cinema. O filme teletransporta o espectador para outro universo, e não há como não reconhecer que muito se deve à composição dos quadros da natureza multicolorida em três dimensões, nos quais a pessoa “penetra”, como se pudesse senti-la fisicamente – e participar da trama. É o velho princípio da realidade virtual. Tive o privilégio de ver o filme na première mundial em Londres, em IMax 3-D. E foi incrível, confesso.

Dito isso, duvido que esse reles expediente visual possa “salvar” a indústria do cinema. Os ingênuos creem mais do que nunca que Avatar marca o reinício de um processo de reabilitação do espetáculo – e da produção em série de filmes em 3-D. Na minha opinião, estão enganados. Como James Cameron chamou a atenção na conversa que tivemos em Londres, aparelhos de televisão com a tecnologia tridimensional já estão sendo produzidos e em breve os comerciais serão feitos nesse formato.

Ele me convenceu da inevitabilidade do progresso. E pude ter outra experiência reveladora nesse sentido. Durante o trabalho de divulgação do filme, acabei jogando Avatar – the game. O jogo foi produzido com participação de James Cameron (que pretende criar uma linha de produtos na esteira da fórmula de Guerra nas estrelas, de George Lucas). O jogo foi criado em 3-D e é o primeiro de uma série. O jogador usa um óculos especial e pode assumir um avatar n’avi ( o habitante indígena do planeta Pandora) e combater o exército mercenário que quer cavar no território dos n’avi – e se deslocar em todas as direções. O efeito é quase idêntico ao da fusão de Avatar na tela. A sensação de hiperrealidade é extrema: o jogador voa de pterodáctilo, mergulha em abismos e avança tela adentro, como se estivesse entrando no guarda-roupa real de Crônicas de Nárnia. Isso me faz crer que, daqui a muito pouco tempo, todo mundo terá em casa uma tela tridimensional – e que em breve até mesmo os óculos serão dispensáveis.

A consequência da evolução é evidente: o cinema irá perder novamente para a TV, como aconteceu no fim dos anos 50, e para os videogames. A “sétima arte” irá sucumbir aos computadores de última geração, que deverão chegar também eles com seus monitores em 3-D. Alguém vai querer sair de casa para assistir ao mesmo tipo de diversão com um monte de gente num teatro? Claro que não. A tecnologia, liderada justamente pelo 3-D, pode varrer o cinema como conhecemos hoje, de entretenimento coletivo em uma sala escura. A salvação parece distante no campo da luta tecnológia. Então, o que fazer?

Para responder à pergunta, vamos recorrer mais uma vez a quem entende do assunto: James Cameron. Na entrevista a ÉPOCA, o diretor diz que o futuro do cinema inclui uma fusão de tecnologias e sobretudo o talento do cineastas. “O futuro do cinema depende daquilo que nós, cineastas, fizermos com esse tipo de arte, e de como o público vai reagir a ela.” Em outras palavras, a arte cinematográfica não será “salva” por uma tecnologia, mas pela forma como a tecnologia for usada em nome da arte. Óbvio, não?

Nem tanto, a contar com as convicções dos neo-ingênuos. Para não repeti-los, é necessário recuar no tempo e tomar uma lição da História, por meio de quatro exemplos.

Em 1925, a Warner lançou o primeiro filme falado: O cantor de jazz. Até então, os filmes eram silenciosos. O som revolucionou a arte de produzir filmes, mas levou uns dez anos até aparecerem as primeiras obras-primas faladas, como Cidadão Kane (1940), de Orson Welles – que se impôs mais pela montagem de som e imagem e o roteiro fragmentados. O filme revolucionou o cinema.

Na passagem dos anos 60 para os 70, o cinema vivia uma crise mais grave que a de hoje. Os espectadores fugiam das salas, para ficar vendo televisão em casa, de graça. O problema não era tecnológico, mas artístico. Uma crise de criatividade se tornava crônica em Hollywood, e as fórmulas se repetiam. Os estúdios se fragilizaram e abriram os flancos para a chegada de uma nova geração de cineastas – Steven Spielberg, Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Hal Ashby. Eles não se impuseram só porque eram mais novos: conseguiram levar a cabo ideias brilhantes. Assim tiraram o pó e renovaram o cinema.

O impacto da animação digital aconteceu no fim do século passado. Lembro-me de um debate típico de 1999: o ator será substituído pela imagem digital? Isso porque em filmes como Matrix e Star wars, atores puramente digitais entraram em ação. Logo, porém, mostraram suas naturais limitações...

Vamos ao quarto e último caso. Em 2004, os estúdios de animação Disney fecharam os estúdios de produção dos desenhos animados tradicionais por causa da ascensão da animação digital de estúdios como a Pixar. Em seguida, compraram a Pixar. Não demorou para que John Lasseter, atual diretor da Disney (e fundador da Pixar), concluísse que o problema dos estúdios de animação não era tecnológico, e sim de falta de boas ideias. E assim reabriu o departamento, trouxe de novo os desenhistas – e o 2-D, por uma dessas voltas da roda da História, virou uma espécie de avanço em relação à velha animação digital. O desenho A princesa e o sapo, o resultado desse retorno, está em cartaz e fazendo sucesso com músicas bonitas e uma trama engenhosa.

A fusão cameroniana de Avatar impõe agora que os realizadores assumam uma nova atitude, um modus operandi inédito. Não importa se tudo for parar em uma tela tridimensional de televisão, ou em um megateatro ultramoderno que atraia multidões. O cinema sempre superou os desafios técnicos, reagindo a eles com a força da imaginação. São as ideais, e não as novidades tecnológicas, que vão redefinir o futuro da arte. Para a mediocridade, nunca há salvação.

(Luís Antônio Giron escreve às terças-feiras.)


fica meio difícil rebater o que Giron tem a dizer aqui, mas discordo algumas em algumas coisas, principalmente sobre a força que o 3D terá com a molecada daqui uns anos, se tornando, sim, a nova revolução do cinema. Mas por hora, concordo que não há tecnologia que salve um bom filme, mas o que faz ser um bom filme hoje não é mais o mesmo que fazia ser um bom filme há 20, 30, 50 anos atrás. E o que agradará as multidões daqui 30 anos não é o mesmo perfil que hoje, sendo a medição de "qualidade" imprópria para os padrões da época futura, então, pergunto, será medíocre? Quem viver, verá.

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