sábado, 19 de novembro de 2011

A pele que habito ou o Frankenstein contemporâneo

Almodóvar fazendo terror? Como assim, né? Pois bem, o diretor espanhol fez um terror incrível, chegando há se situar entre os melhores filmes que já vi em minha vida. E de longe, o melhor filme deste ano. O terror tem muitas faces. Há aquele terror onde você quer ver sustos. Há o terror sanguinário, onde você exalta o seu psicopata interior. Há o terror psicológico, que é aquele que você se sente sendo contorcido na cadeira do cinema, onde seu cérebro explode a cada take.
Ele faz um pouco dos três. E vou explicar. O susto que Almodóvar tenta na tela é o susto da surpresa, das viradas que a trama prepara. Quem é Vera é respondida e a platéia fica inteiramente estasiada e surpreendida. O sanguinário é mostrado através da vingança de Robert, o protagonista vivido por Antonio Banderas.  E o psicológico pelos sentimentos que adentram em você. Você entende cada personagem e cada personagem tem suas razões. A pele que habito é o drama, o terror, o suspense.

A história é baseada num romance francês (que muito quero ler desde já) e aborda a trajetória do renomado cirurgião plástico que vive um estranho e obsessivo relacionamento com Vera, uma cobaia que vive presa em sua casa. Paralelo a isso, com o desenrolar da trama, você vai sendo apresentado a cada personagem e ao passado deles até chegar ali. E você sofre, e muito, por cada ação e suas reações. Eu estou me controlando aqui para não contar detalhes esclarecedores do filme, apenas indico para que assistam. Se preparem para a história de vingança mais forte que já vi, e mais, os efeitos que a vingança tem nas pessoas ao seu redor. Uma história amor, amor doentio. Saiam daqui e procurem o cinema mais próximo. E sem saber muito da história, se possível, para que as surpresas e os sustos sejam absorvidos como foram por mim. É uma sensação única e que Almodóvar fez muito bem.
Gosto muito do diretor, vejo tudo que ele faz. E posso dizer, este filme é o melhor de sua carreira. O que é um absurdo de se dizer, já que ele fez muitas coisas boas e diferentes, mas sim, é sim. O melhor filme da carreira de Almodóvar. Um roteiro brilhante, uma fotografia linda, elenco primoroso, direção digna e até os figurinos chamam atenção: criados por Jean Paul Gaultier.



quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Reflexões de um Liquidificador


Nada melhor que descobrir um bom filme em um feriado chuvoso. Ontem, encontrei, por acaso, em um velho pendrive, o arquivo deste filme, que me foi indicado por um amigo há alguns meses: Reflexões de um Liquidificador. Sou avesso a pirataria, mas o filme é difícil de achar em locadoras. Até mesmo no cinema, ele ficou em poucas salas, maioria em São Paulo e festivais. Mas garanto, está entre uma das melhores coisas já feitas em nosso país.
A começar pelo elenco. Que elenco! Ana Lúcia Torre já provou antes ser muito boa e versátil, mas consegue agora neste filme ser aquele personagem complexo e simples ao mesmo tempo. Quem é criador como eu, ao assistir o filme, com toda certeza, irá pensar "como eu queria ter pensado nisso antes". Acho que nenhum termômetro é maior do que este.
A história é simples, ao ponto de vista da narrativa. Conta a história de Elvira, uma modesta dona de casa sem muitas ambições, casada há mais de 40 anos com Onofre. Eles eram donos de um bar, que faliu e lhe sobrou apenas o liquidificador que usava para fazer as vitaminas e sucos. Um liquidificador velho, que funcionava apenas quando queria. Mas um liquidificador diferente dos outros, como ele próprio se define no começo da película: "diferente de todos os outros eletrodomésticos que estão ali parados". Ele fala, ele pensa, ele filosofa. E se torna o melhor amigo, o melhor parceiro de Elvira. Um verdadeiro cúmplice de suas pequenas aventuras amorais. O filme começa com Elvira indo a delegacia dar queixa do desaparecimento de seu marido há 7 dias. Onde andará Onofre? Então, somos lançados a um flashback que nos conta a história até ali. Paralelo a isso, o investigador Fuinha (pelo excelente Aramis Trindade) acredita que a esposa é a principal suspeita do desaparecimento. Desde então, uma trama policial se instaura na vida de D. Elvira, e vemos a partir dai um desenrolar repleto de humor, sobretudo humor negro de primeira. No elenco, tem ainda Fabíula Nascimento, que faz uma coadjuvante que rouba a cena muitas vezes, como uma vizinha apaixonada/tarada por homens peludos, mas casada com um sem pelo algum. Divertidíssima!
O Roteiro é de José Antônio de Souza, estreante nas telonas e a direção, fantástica, é de André Klotzel, consagrado por A Marvada Carne. Quem empresta a voz ao liquidificador? Selton Mello, que consegue dar vida e personalidade a um personagem completamente diferente do já visto até hoje. A trilha e a fotografia encantam também, pela leveza da vida do subúrbio.
Um filme cinco estrelas que vale a pena ser visto, em feriados chuvosos e outros dias também.